SALLIÊ OLIVEIRA
( BRASIL – SÃO PAULO )
Sallié Oliveira é ator e escritor. Filho de pais nordestinos,
nasceu em Diadema e atualmente reside em São Bernardo
do Campo, em São Paulo.
Tem como pai um aspirante a poeta; como mãe, uma
habilidosa contadora de histórias.
Foi selecionado em editais e premiações nos últimos anos.
Guerra no Campo do Homem é sua primeira coletânea de poesia publicada.
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SALLIÉ OLIVEIRA. Guerra no corpo do homem. São
Paulo: Patuá, 2022. 68 p. 14 x 21 cm.
ISBN 978-65-5864-265-7 Ex. bibl. Salomão Sousa
II
ser jovem é já ter amado
e ter uma seleta de corpos na memória
e ter uma seleta de nomes desbotados
em cadernos cujos versos apodreceram no tempo
não mais no belo infantil de antes
mas velados na comoção de sempre
e saber que há algo lá fora
preservando-se durante o fim do mundo
como a flor que primeiro se encolhe
e se comover de ponta a ponta
porque o tempo passa
e envelhece de medo a pele jovem
mas o corpo ainda treme
a lágrima ainda brota
a saudade ainda renasce
os alarmes disparam todos
as décadas comprimidas em perguntas
e suspirar e suspirar
porque é bom é vasto é terrível
novos louvores em templos velhos.
VII
o inferno que às vezes eu quero para ti
chega às vezes num soluço
sem provocação sua
num sopro mínimo de palavra que te deixa a boca
faz-me pensar todos os músculos acordados
festa do queixo à cintura
como a chama domina a noite dos que sentem frio
é balsamo desejar teu mal
nestes segundos em que te sou confronto
e te rogo saudade
e te rogo amor tardio
livre da paz que eu tinha à mesa
antes de você entrar pela porta
você se despedaça aqui diante
som lascivo de queda
e eu murmuro o que vier
enquanto o rosto se alarga espantado
é guerra no corpo do homem
você ferve descasos
eu estou saciado.
XIV
noites claras me despertam
é o mundo recomeçando
faz barulho de velhas engrenagens
sacode de minuto a minuto
acordo porque o mundo sou
dou cor ao céu firmo a terra
faço fogo agachado riscando meus braços
sou pessoa bicho objeto
mundo me começa mundo me termina
árvore me atravessa árvore me destina
espécie de coisa sou
espécie de destino tenho
água me trouxe água não me leva
violência me formou
violência não me desinteira
paz não me procura paz não me cerca
trabalho me procura
trabalho me quer bem
bloco pão estradas vigílias
noites escuras me adormecem
o mundo está pronto.
XXVII
se você se sufocasse em mim
curvado ao chão sem fôlego
precisasse que eu soprasse
de ar em ar teu papo de volta
tateando minhas pernas
porque os olhos se fecharam por medo
incertos de que eu serei sempre a passagem
esperasse minha voz relampear
e suspirasse aliviado porque a tempestade vem
talvez eu fosse feliz.
*
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